Portal Exame
O cetro de líder da indústria automobilística internacional sempre demorou muito tempo a trocar de mãos. Nos últimos 100 anos, apenas três montadoras ocuparam esse lugar. A Ford esteve no posto de 1908 a 1931, quando foi ultrapassada pelas inovações promovidas pela GM, que reinaria pelos 76 anos seguintes e chegaria a ter, em seu auge, metade da participação do mercado mundial de veículos. Mas, como prega o americano Jim Collins, maior guru dos negócios da atualidade, os poderosos também caem. E a GM caiu. Seu vácuo foi ocupado pela japonesa Toyota, dona de uma história de reinvenção e crescimento espantoso, sobretudo a partir da década de 90. A Toyota tornou-se a maior montadora do mundo em maio de 2007. Pela primeira vez na história da indústria automobilística, uma companhia não americana liderava o mercado mundial. Sua ascensão coincidiu com um período de profundas transformações na indústria, cujas consequências se arrastarão ainda por muito tempo e são desconhecidas. Montadoras enfraquecem num canto do mundo enquanto novas surgem em outro. As tecnologias se transformam e as demandas ambientais nunca foram levadas tão a sério. “Nunca a disputa pela liderança esteve tão acirrada”, afirma Corrado Capelano, sócio da consultoria automotiva Creating Value.
A Toyota terminou 2008 ainda na dianteira do ranking, com uma produção total de 7,8 milhões de unidades, mas a liderança não impediu – ou talvez tenha até estimulado – o aparecimento de problemas. Entre abril e junho de 2009, suas vendas caíram quase 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Com isso, acumulou um prejuízo de 819 milhões de dólares, o primeiro resultado negativo em 71 anos. A situação exigiu também a tomada de decisões inéditas na história da tradicional Toyota, como a do fechamento de uma fábrica. A unidade a ser sacrificada é a da Califórnia, que tem 4.700 empregados e se dedica a produzir a picape Tacoma e o sedã Corolla. A escolha tem relação direta com a situação da montadora no mercado americano, onde detém quase 20% de participação. No primeiro semestre de 2009, as vendas da montadora no país caíram 35%.
Os percalços da Toyota têm sido acompanhados de perto na cidade alemã de Wolfsburg, sede mundial da Volkswagen, empresa por muito tempo criticada por sua pouca ousadia, mas que hoje é uma candidata real a assumir a liderança do mercado global. Até o ano passado, os alemães acalentavam o sonho de chegar ao topo apenas em 2018. Com a derrocada das grandes montadoras de Detroit e os recentes problemas da Toyota, a cúpula da VW refez as contas e hoje afirma ser possível alcançar a posição em 2010. Seu principal problema no passado – a pequena participação de mercado nos Estados Unidos – hoje parece ser uma de suas principais vantagens, embora ela possa ser efêmera. Ao mesmo tempo, a Volks vem ao longo dos anos se posicionando em países em rápido desenvolvimento. A operação brasileira é a terceira maior do mundo. E os alemães foram os primeiros a se instalar na China, em 1984. Diante das movimentações no jogo de xadrez do mercado mundial de automóveis, o abismo de vendas que separava VW e Toyota no ano passado caiu pela metade no primeiro semestre de 2009. No total, os japoneses venderam 360.000 carros a mais que os alemães no período.
Ao mesmo tempo que Toyota e VW brigam pela liderança, as outras posições do ranking das gigantes da indústria automobilística vêm mudando com velocidade. Montadoras de países emergentes, como a coreana Hyundai, já aparecem entre as principais do mundo. E, segundo especialistas, é apenas uma questão de tempo para que os fabricantes chineses entrem na lista das líderes. Desde o início de 2009, a China desbancou os Estados Unidos como o principal mercado de carros do planeta. Para ganhar o mercado internacional com rapidez, os chineses estão indo às compras no Ocidente. No início de setembro, a Beijing Automotive Industry Holding Co (Baic), uma montadora estatal, fechou a aquisição da Saab, da GM, em parceria com a montadora sueca de caminhões Koenigsegg, por um valor não revelado.
As compras realizadas pelos chineses antecipam um movimento de consolidação do setor da auto indústria, visto como inevitável por uma série de especialistas. O presidente da italiana Fiat, Sergio Marchionne, desde a derrocada de Detroit defende a tese de que, em poucos anos, haverá apenas seis grandes fabricantes. De acordo com Marchionne, a montadora que vender menos de 5 milhões ou 6 milhões de carros por ano estará fadada à falência ou se tornará presa fácil de uma aquisição. Para que a Fiat esteja entre as poucas sobreviventes, Marchionne deu o primeiro passo no aumento de escala e abrangência de mercado, ao comandar a fusão com a Chrysler. A Opel, braço europeu da GM, também esteve sob sua mira, mas acabou nos braços da Magna, fabricante canadense de autopeças, que agora controla 55% da montadora.
Embora tenham perdido a liderança do mercado mundial, as montadoras dos Estados Unidos ainda possuem um peso muito considerável no setor. A GM é o melhor exemplo disso. Com uma dívida acumulada de 172 bilhões de dólares, a montadora entrou em concordata no dia 1o de junho. Para se reerguer, recebeu quase 50 bilhões de dólares em socorro do governo americano, que agora é dono de 60% da nova GM, que começa a tomar fôlego e já dá sinais de vida. No final de setembro, o presidente Barack Obama esteve na reabertura de uma linha de montagem da GM em Lordstown, no estado de Ohio. A empresa investiu mais de 350 milhões de dólares para reequipar a fábrica com 800 novos robôs e anunciou para os próximos dois meses a recontratação de 1 100 funcionários para a unidade. É esperada para o final deste ano a reabertura de mais uma fábrica para a montagem do carro elétrico Chevrolet Volt e da minivan Chevrolet Spark.
O novo Toyota
O líder da vez, a Toyota, também se movimenta para não perder mais espaço durante esses difíceis dias para a indústria automobilística. Os números ruins precipitaram a mudança em seu comando. Katsuaki Watanabe, o ex-presidente, deixou o cargo em junho, quando a data inicialmente prevista para sua saída era abril de 2010. A missão do novo presidente, Akio Toyoda, de 53 anos, é fazer a companhia criada por sua família voltar a ser lucrativa já no próximo ano fiscal. Neto do fundador da montadora, Toyoda não se parece em nada com seus antecessores. É 14 anos mais jovem que o homem que está substituindo, viveu sete anos nos Estados Unidos, tem um MBA no currículo e é aficionado por velocidade. O alter ego piloto de Akio Toyoda responde pelo nome de Morizo e neste ano completou a bordo de um V10 da Lexus as 24 horas de Nurburgring, na Alemanha. Sobre os planos para reverter a queda de vendas da Toyota, o novo presidente declarou recentemente que vai multiplicar os investimentos na família de carros ecologicamente corretos popularizada pela montadora. “A tecnologia dos carros elétricos ainda é limitada, vamos continuar investindo nos híbridos como o Prius”, afirmou.
A terceira geração do carro “verde” de maior sucesso do mercado está prestes a chegar às lojas japonesas e americanas. Além disso, 16 novos modelos Toyota serão lançados na Europa nos próximos 12 meses. Apesar dos resultados ruins nos últimos meses, a Toyota espera vender 6,6 milhões de veículos em 2009, o que é 18% menos que no ano passado, mas é mais otimista do que a previsão de queda do início do ano – 30%. Para aumentar suas vendas nos Estados Unidos, a montadora anunciou investimentos de 1 bilhão de dólares para promover o novo Prius, valor 40% superior ao inicialmente planejado. Uma parte substancial desse montante será investida em propaganda nas concessionárias. Segundo publicou recentemente o jornal americano The Wall Street Journal, a Toyota tem planos de lançar em 2010 dois novos modelos do Prius, uma minivan e um compacto. Essas ações serão suficientes para manter os japoneses na liderança do mercado mundial? Nem mesmo os especialistas podem garantir isso. Mas o movimento cada vez mais acelerado da indústria mostra que a inação não é uma alternativa.
Fonte: Portal Exame/Tiago Maranhão |www.portalexame.abril.com.br